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A questão da constitucionalidade dos irmãos unilaterais e bilaterais no direito sucessório e a figura exemplificativa do irmão unilateral adotivo

02/06/2022 por Sergio Iglesias Nunes de Souza 
Direito civil e sucessório. Irmão unilateral e bilateral. Herança.

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça decidiu:
?O Código estabelece diferença na atribuição da quota hereditária, tratando-se de irmãos bilaterais ou irmãos unilaterais. Os irmãos, bilaterais filhos do mesmo pai e da mesma mãe, recebem em dobro do que couber ao filho só do pai ou só da mãe. Na divisão da herança, coloca-se peso 2 para o irmão bilateral e peso 1 para o irmão unilateral, fazendo-se a partilha. Assim, existindo dois irmãos bilaterais e dois irmãos unilaterais, a herança divide-se em seis partes, 1/6 para cada irmão unilateral e 2/6 (1/3) para cada irmão bilateral. (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito das Sucessões, 7ª edição, São Paulo: Atlas, 2007. p. 138). No caso dos autos, considerando-se a existência de um irmão bilateral (recorrido) e três irmãs unilaterais (recorrentes), deve-se, na linha dos ensinamento acima colacionados, atribuir peso 2 ao primeiro e às últimas peso 1. Deste modo, àquele efetivamente caberia 2/5 da herança (40%) e a cada uma desta últimas 1/5 da herança (20%).? RECURSO ESPECIAL Nº 1.203.182 - MG (2010/0128448-2), RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO, 30/9/2013.

A posição do Superior Tribunal de Justiça já era (e é) também de meu entendimento ao lecionar a disciplina de direito sucessório. Com respeito às opiniões em contrário, sempre fui prosélito deste pensamento.

O art. 1.841 do Código Civil de 2002 determina:
?Concorrendo à herança do falecido irmãos bilaterais com irmãos unilaterais, cada um destes herdará metade do que cada um daqueles herdar?

Consoante estabelece o Código Civil, o referido dispositivo determina expressamente que na hipótese de concorrência hereditária entre irmãos bilaterais ou germanos (filho do mesmo pai e mãe) e irmão unilateral (filho só de um genitor, seja pai ou mãe), este herdará à metade que caberia ao filho(s) bilateral(is).

Logo, o irmão unilateral receberá a cota de metade do filho bilateral.

O debate proposto por Mário Delgado na FAAP ? Fundação Armando Álvares Penteado  é extremamente pertinente e contribui de modo ímpar para o raciocínio e reflexão da ciência do direito, bem como recomenda-se a leitura do artigo de José Fernando Simão publicada nesta Revista Carta Forense. [1]

Surge, ainda, uma outra hipótese possível de dúvida. O aluno acadêmico de graduação e àqueles não familiarizados com a temática poderiam entender estranho (ou até uma heresia) a seguinte afirmação: ?O irmão unilateral adotivo receberá a metade da herança do que receber os irmãos germanos?. Seria essa assertiva uma interpretação inconstitucional?

Considere o seguinte exemplo: Clark falece, sem pais e filhos, sendo irmão de Bruce e Peter, estes como únicos herdeiros colaterais. Bruce é filho do mesmo pai e mãe de Clark, logo, estes são irmãos germanos. Contudo, Peter é irmão unilateral, pois é filho adotivo de seu pai de um casamento anterior, não sendo Bruce e Peter filhos da mesma genitora. Peter receberia metade da herança a que cabe ao irmão Bruce?

Seria o tratamento dado pelo atual direito sucessório disposto no art. 1.831 do Código Civil de 2002 inconstitucional ao aplicar nesta hipótese?

O assunto pode pairar polêmica, principalmente, ao soar que, em outras palavras de análise superficial, tratar-se-ia de um irmão adotivo de modo desigual ao irmão de pais biológicos.

Contudo, há a figura também do irmão unilateral adotivo.

O tratamento a este deve ser dado à luz do art. 227, parágrafo 6o da CRFB/88:
§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. (g.n.)

Na doutrina contemporânea, discute-se dentre muitos, da necessária visão do direito civil à luz da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, isto é, na visão de um direito civil constitucional, como Zeno Veloso, Gustavo Tepedino, José Oliveira Ascensão, Luiz Edson Fachin, Mário Luiz Delgado, Paulo Lôbo, Carlos Alberto Dabus Maluf, dentre tantos outros.[2] Corrente esta que me filio há anos, já que a interpretação das normas de direito civil (assim como dos demais ramos do direito) devem ser guiados pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, norma superior, sem olvidar-se da noção interpretativa da dinâmica da operabilidade, socialidade e eticidade do direito, na sua visão tridimensional.

Para analisar se há tratamento discriminatório pelo fato de ser filho adotivo, deve-se tomar o parâmetro de reflexão abstrata: qual cota receberia o irmão se não fosse adotado? Se ele fosse irmão biológico receberia ele a mesma cota hereditária, já que em ambas hipóteses é, ainda, irmão unilateral?

Este raciocínio é imposto pela própria norma constitucional referida, pois dita que o tratamento: ?por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações? dos filhos havidos ou não da relação do casamento.

O exemplo em tela demonstra que se Peter fosse ou não adotado, ainda assim receberia uma cota hereditária de peso 1, enquanto os demais irmãos receberiam uma cota hereditária de peso 2, à luz do art. 1.841 do CC/02.

O tratamento sucessório diverso a irmão germano e unilateral condiz justamente com o princípio da isonomia. Este princípio tem, em si, a dose do critério da especialidade, isto é, tratar os iguais igualmente na medida de suas desigualdades (esta segunda parte do princípio é o contexto da especialidade).

Como justificar que um irmão unilateral receba a mesma cota hereditária de um irmão bilateral? Seria tratar de modo idêntico àquele em que não está numa situação fática igual.

Além disso, a herança trata da questão da divisão do patrimônio hereditário (bens materiais) e, como tal, merece o discrímen atribuído pelo art. 1.841 do Código Civil de 2002.  É certo que há muitas críticas do direito sucessório atual que, somente com o tempo e adaptação, os ajustes normativos poderão ser realizados.

Peter não receberá a herança pela metade pelo fato de ser irmão adotivo[3], mas pelo fato de ser irmão unilateral por seu pai, situação em que assim também receberia se irmão biológico. Isto é, o tratamento diferenciado confirma a própria efetividade do art. 227, par. 6o da CRFB/88: se o irmão unilateral adotivo fosse um irmão unilateral biológico, aquele teria os mesmos direitos e qualificações que este, como determina a CRFB/88.

Concluo, portanto, que não há qualquer vício de inconstitucionalidade do art. 1.841 do Código Civil de 2002, seguindo o entendimento majoritário da doutrina, já que a sucessão se opera por direito próprio, partindo-se o quinhão hereditário por cabeça.  Importante mencionar o exemplo de Clóvis Beviláqua na interpretação do então Código Civil de 1916, citado por Maria Helena Diniz que assim pontifica:

?O ?de cujus? deixa uma herança de R$ 240.000,00 a dois irmãos bilaterais e a dois irmãos unilaterais. Os unilaterais receberão duas porções simples e os bilaterais, duas porções dobradas, ao todo seis porções. As simples serão do valor de R$ 40.000,00  (R$ 240.000,00 dividido por 6 = R$ 40.000,00), e as dobradas de R$ 80.000,00 (R$ 40.000,00 x 2), de forma que: (R$ 80.000,00 x 2) (R$ 40.000,00 x 2) = R$ 240.000,00. Essa partilha submete-se à seguinte regra, que é infalível, qualquer que se seja o número de irmãos unilaterais ou bilaterais. Cada irmão bilateral é representado pelo algarismo 2 e cada irmão unilateral pelo 1; divide-se a herança pela soma destes algarismos; o quociente encontrado, multiplicado pelos respectivos algarismos representativos dos bilaterais e unilaterais, será a quota hereditária de cada um? [4]

Esse foi o critério utilizado pelo Superior Tribunal de Justiça na referida decisão, seguido, até o momento, pelos demais Tribunais.

E essa divisão, como bem ponderou José Fernando Simão, tem sido aceita pela sociedade brasileira e, oxalá, seja mantida. No momento é esta a melhor solução adotada pelas normas do direito civil à luz de uma interpretação conforme do art. 227, par. 6o da CRFB/88 com o art. 1.841 do CC/02. Quem sabe, em uma oportunidade, todos tenhamos também a posição atualizada do Supremo Tribunal Federal.

Por fim, vale mencionar que irmão é herdeiro colateral e, portanto, não é herdeiro necessário, conforme o art. 1.845 do CC/02. Assim, nada impede que seja contemplado em testamento com a cota disponível da herança, caso assim deseje o testador. Deve-se lembrar que o herdeiro colateral não se submete à deserdação, pois basta que este seja excluído da herança por disposição testamentária.

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